POEMA

GRITO NEGRO


Eu sou carvão!
E tu arrancas-me brutalmente do chão
e fazes-me tua mina, patrão.

Eu sou carvão!
E tu acendes-me, patrão
para te servir eternamente como força motriz
mas eternamente não, patrão.
Eu sou carvão
e tenho que arder, sim
e queimar tudo com a força da minha combustão.
Eu sou carvão
tenho que arder na exploração
arder até às cinzas da maldição
arder vivo como alcatrão, meu irmão
até não ser mais a tua mina, patrão.

Eu sou carvão
Tenho que arder
queimar tudo com o fogo da minha combustão.
Sim!
Eu serei o teu carvão, patrão!


José Craveirinha

5 comentários:

GR disse...

Ainda hoje, por esse mundo fora há tanta escravatura, tanto racismo.
Até mesmo no nosso país!
"Todos diferentes, todos iguais" Só que uns são mais iguais que outros.
Adoro o Craveirinha.

GR

Sal disse...

Não conhecia o poeta.
Mas gostei, e é isso que importa.

beijinhos uma vez mais

Fernando Samuel disse...

gr: e em muitos aspectos a escravatura actual mantém muitos dos traços da que existia no tempo em que este poema foi escrito (anos 60, creio).
Um beijo amigo.

sal: José Craveirinha - nascido em Moçambique, em 1922 - é uma das vozes mais expressivas da poesia negra de expressão portuguesa. A sua Obra (penso que completa) foi publicada pela Caminho.
Um beijo amigo.

Justine disse...

Grande força e denúncia, este poema. Li, em Dezembro em Maputo, um livro de contos do Craveirinha, que não conhecia. Poesia perfeita e inteira contada em prosa.Grande, grande escritor.
Mostra mais...

Anónimo disse...

ABRIL de BRADOS MIL *
(1974 / 2005 - 25 de Abril)

por João Craveirinha (1947/...)

Abril em Lisboa, brados Mil
Cravos, Flores, floriram
Rostos sorriram, mas…


Áfricas ensanguentadas, gemiam
Angola, Guiné e Moçambique
Maquela do Zombo, Madina do Boé e Mueda
Irmanadas, nas granadas rebentadas
Metralhadoras G3 e canhões estremeciam
Kalashenikoves – metralhadoras, e minas bailarinas
Bailando no baile da morte anunciada
Viúvas e órfãos de soldados vivos
De luto antecipado vestidos
Soldados mancebos, outros,
Dormindo com a morte, a fiel amante.


África em Guerra
Soldados portugueses, longe do Norte
Africanos guerrilheiros, a Sul, nas suas Terras


Abril de brados Mil e
Em Lisboa, não choveram balas nem obuses
Choveram flores emancipadas
Emancipando as armas e
os barões não assinalados
Passaram ainda além do Chiado e dos Algarves
Ao largo, no Tejo,
A Armada, seu fado aguardava


Em África o luso soldado, sua amada, chorava
Em Portugal o Povo desesperava
Contra os canhões marcharam, marcharam
Cravos de liberdade e de brados mil, armados


A 25 de Abril, 1900 e 74,
O Dia ficou mais Dia
E a Noite menos noite
Raiou o Sol da esperança…
Esperança da mulher ser mais mulher,
Da criança mais criança,
Do homem mais homem,
…E do Amor, mais Amor,
e, sobretudo, falar sem Temor
Apesar de esquecida ficar, Timor!!

*João Craveirinha*, 05.04.2005
* Poeta, contista e artista plástico moçambicano
(Poema lido pelo autor na Suécia em Abril 2005 a convite da Associação Portuguesa de Estocolmo por ocasião da efeméride do 25 de Abril naquele País Nórdico)

Publicada por ELCAlmeida em 2:23 PM
Etiquetas: João Craveirinha, Moçambique, P-Foto

Nota: João Craveirinha (1947/...)vive entre Portugal e Moçambique. É sobrinho paterno do falecido poeta José Craveirinha (1922/2003).

este poema foi retirado daqui:
http://malambas.blogspot.com/search/label/Jo%C3%A3o%20Craveirinha

mais do mesmo autor (2ª geração dos Craveirinhas de Moçambique):
http://malambas.blogspot.com/2008/01/aljezur-algarvia-dos-meus-encantos.html