Eles sabem (muito)!

Estando de corpo e alma a viver intensamente o nosso XVIII Congresso e porque a tarefa militante, em que vivamente me empenho - uma pequena contribuição entre outras que os meus camaradas asseguram - para garantir o bom funcionamento dos trabalhos, não me tem sido possível ver, escutar e ler o que os Media publicam sobre o Congresso deste grande colectivo partidário.

Consegui, após regressar ao merecido descanso caseiro, visualizar as reportagens da RTPN, onde afirmam que "o congresso correu sem polémicas e as intervenções visaram a crítica ao governo, todas na linha de orientação do partido, sem dar oportunidade à crítica interna".
Ora então devíamos estar todos às turras e deixávamos a análise da situação politica de lado?
Desabafo: porque é que insistem em querer que sejamos tal e qual o que os outros são? Não compreendem ou não querem compreender a nossa diferença. Mas descansem, somos fortes e sabemos resistir.

Sobre a eleição do Comité Central, a RTPN, inicia a reportagem, pasme-se desta forma:
"Comité Central do PCP eleito com 8 votos contra e ...", mais outro desabafo, desde quando é que se diz que algo foi eleito e começa-se pelos votos contra?

Após uma visita pelo site da SIC encontro um slideshow com legendas deveras interessantes:

"Por Abril, pelo socialismo, um partido mais forte" é o slogan do conclave comunista

A Juventude Comunista (num momento de reflexão?, descanso?) esteve também em peso no congresso

Um dos 1500 militantes que segue à risca o programa do partido, que além da reeleição do líder, faz entrar 26 novos dirigentes no Comité Central

Prossigo, no site da TVI encontro esta pérola para justificar a redução de elementos do Comité Central:
Entretanto, o órgão máximo do Partido Comunista Português a ser eleito no XVIII Congresso Nacional do PCP, em Lisboa, vai ter 158 elementos ao contrário dos 175 que tem actualmente. Uma redução que tem a ver com poupanças no PCP numa altura em que as finanças do partido registam saldos anuais negativos de 500 mil euros.
Sem comentários.

Ainda passei pelos sites dos órgãos de comunicação escrita, mas entediei cansei. Para além de não encontrar nenhum destaque ou link para o Congresso, o teor das notícias é o mesmo.

Apesar de tudo isto, estou satisfeito porque pertenço a esta grande casa da amizade, o Partido da classe operária.
Somos "uma promissora sementeira de searas carregadas de futuro", eles sabem!

POEMA

A ARREPENDIDA


Padre:
há quinze dias que não durmo com ninguém.

Acuso-me
de não ter ganho a vida com as mãos,
de ter tido desnecessários luxos
e três maridos, Padre,
... eram maridos de outras mulheres.

Podia ter tido muitos filhos.
Não quero voltar a fazê-lo;
vou retirar-me do ofício.
Pode recomendar-me a algum reformatório?
Vocês têm sempre boas influências.
Não vou à missa
e como carne. Sempre.
Socorro as criadas e aos pobres do bairro
nunca lhes cobro grande coisa.

Também quero dizer-lhe
que sou muito infeliz.


Glória Fuertes

É PENA...

As preocupações há dias manifestadas pelo Presidente da República (PR) em relação àquilo que designou por «pobreza envergonhada», são justas. Justíssimas.

Esta «pobreza envergonhada» é, segundo o PR, composta por pobres que vêm juntar-se à «pobreza tradicional»: trata-se de pessoas que «têm emprego, casa e carro a pagar a crédito e que até recorrem ao e-mail para pedir ajuda».
Estes novos pobres «vivem sobretudo nos subúrbios das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto» e integram os vastos segmentos da sociedade portuguesa que, de há uns tempos a esta parte, andam menos de carro e mais de transportes públicos; comem menos vezes nos restaurantes e comem mais (quando comem...) em suas casas; procuram géneros menos caros nos supermercados; vão a menos espectáculos; compram menos roupas, menos livros, menos discos... - estes novos pobres onde crescem casos assim:
«pais que pedem compreensão por não poderem pagar a creche ou o jardim-de-infância dos filhos;
filhos que retiram os pais dos lares de idosos e os levam para casa, porque «as suas escassas pensões ajudam a equilibrar o magro orçamento familiar»...

Então, a «pobreza envergonhada» preocupa o PR.
É pena, no entanto, que as preocupações do PR não o motivem a debruçar-se sobre as causas dessa pobreza, de forma a não se ficar apenas pelas preocupações e a procurar as necessárias soluções.
Mas percebe-se que assim seja. É que se o fizesse com rigor e seriedade, o PR teria que concluir que a origem deste drama se situa na política de direita que há 32 anos tem vindo a flagelar os trabalhadores, o povo e o País. E, na sequência dessa conclusão, teria de concluir, igualmente, que ele, Cavaco Silva, é um dos principais responsáveis por essa política - especialmente nos dez devastadores anos em que foi primeiro-ministro e impôs aos portugueses essa monstruosidade que dá pelo nome de cavaquismo - monstruosidade ética, cultural, social, humana, política, civilizacional, que ficará como página negra na História de Portugal.

É pena, também, que às justíssimas preocupações com a «pobreza envergonhada», o PR não junte iguais preocupações com a riqueza desavergonhada de banqueiros gatunos, de capitalistas exploradores, enfim de todos aqueles que, como o PR sabe, são a causa da pobreza envergonhada e não envergonhada que alastra pelo país.

Enfim, é pena que as preocupações do PR com a «pobreza envergonhada» sejam, também elas preocupações... envergonhadas.

POEMA

O MENDIGO QUE ENTREGAVA UM PAPEL


Atenda por favor: não posso trabalhar.
Sou, entre outras coisas, surdo-mudo,
e mortos são meus pais e três irmãos.
Sou surdo-mudo, sim. Estou quase cego.
Por piedade dê-me alguma roupa,
comida, calças, pois não tenho nada.
Se os nossos pés são iguais dê-me uns sapatos.
Sou surdo-mudo, solitário, quase velho.
Dê ao menos um escudo, ou uns tostões.
Socorra-me. Olhe para mim.
Não posso falar:
sou realmente surdo-mudo.

Devolva-me o papel. Não tenho cópia.


Glória Fuertes

MÁRIO SOARES EM PLENO

Escreveu Mário Soares, a propósito da luta que a imensa maioria dos professores tem vindo a travar em defesa dos seus interesses e direitos:

«Ora se os sindicatos representam os professores - ninguém deve negá-lo, porque os sindicatos são um elemento essencial da democracia -, a maioria dos professores não estão sindicalizados e todos pensam pela sua cabeça, como cidadãos conscientes, avaliando em consciência, qual o caminho que mais lhes interessa trilhar...»
É o líder da contra-revolução de Abril em acção: procurando dividir os professores, quebrar a unidade que trouxe para a rua cerca de 85% da total da classe, espalhar a desconfiança nos sindicatos , enfraquecer a luta - e incitando os professores a pensarem pela sua (dele, Soares) cabeça...

Mais adiante, escreve:
«O mais importante é que os sindicatos e a sra. ministra (que tem demonstrado firmeza e, ao mesmo tempo, abertura e boa vontade) retomem as negociações, marcadas para a próxima sexta-feira, abandonando "os braços de ferro" - tão inconvenientes no momento grave de crise que o mundo e Portugal atravessam - como é do interesse de todos».
É outra vez Soares, o parlapatão da democraCIA, em pleno: fiel apoiante da política de direita que ele próprio iniciou ao serviço do capitalismo internacional e contra os interesses da imensa maioria dos portugueses e da independência nacional; guru badalhoco desse capitalismo, à defesa do qual tem dedicado toda a sua vida - a troco de milhões e milhões de dólares, marcos, libras, francos, coroas...

Digam lá: depois de ler estas soarices, dá vontade de quê?

POEMA

O REGINO


O Regino era um homem sem trabalho;
de tanto padecer fez-se mendigo
e levava já de ofício vinte anos.
De cór sabia o bater das portas,
os degraus das catedrais
e as pedras de todos os caminhos;
polia com as costas as esquinas,
aquecia ao sol suas sardinhas.
Tinha calos de pedir esmola,
a mão curtida pelos ventos
e uma ferida no centro da palma
por onde já caíam as moedas.
Fora seu ofício o de mineiro
porém tossia quando ia à mina
e o médico aconselhou «mudança de ares»;
mendiga desde então
pelas aldeias da serra.


Glória Fuertes

A MUDANÇA...

Robert Gates, secretário da Defesa do Governo de Bush desde há dois anos, continuará a desempenhar iguais funções no Governo de Obama.
São muitos os que têm vindo a pronunciar-se sobre esta decisão de Obama: uns, desagradados e surpresos; outros, agradados e não surpresos.

Percebe-se que assim seja: por um lado, porque a mensagem de mudança lançada por Obama foi ao encontro da vontade e das aspirações de milhões de norte-americanos (e não só) que nela acreditaram e, por isso, votaram no mensageiro; por outro lado, porque outros milhões viram na mensagem um mero, mas certamente poderoso, trunfo eleitoral - trunfo que, obviamente, só Obama podia utilizar, já que ninguém acreditaria em tal coisa dita por McCain, o candidato de Bush...

Entre os desagradados e surpresos, está Loren Thompson, Presidente do Lexington Institute, que reagiu assim à notícia:

«Não consigo perceber como é que Barack Obama, uma pessoa que conseguiu a sua nomeação porque prometeu acabar com a guerra no Iraque, pode manter em funções o homem que esteve à frente dela durante os últimos anos».

É óbvio que Loren Thompson não está a ver bem a situação.
Se não vejamos:
é verdade que Obama discordou de Gates, em 2007, quando este defendeu o envio de mais tropas para o Iraque;
mas é igualmente verdade que essa discordância tinha a ver, essencialmente, com o destino das tropas: como o próprio Obama fez questão de sublinhar no decorrer da sua campanha eleitoral, a prioridade dos esforços de guerra deveria centrar-se no Afeganistão;
e é igualmente verdade que quando Obama esclareceu que o reforço de tropas deveria verificar-se , não no Iraque mas no Afeganistão, Robert Gates - «o homem que esteve à frente dela (da guerra do Iraque) durante os últimos anos» manifestou o seu acordo com o candidato dos democratas.

Está tudo nos conformes, portanto.
E destes conformes, emerge, cada vez mais evidente, esta realidade:
por muitas mudanças que Obama faça ( e poderá vir a fazer algumas) não fará uma única naquilo que é essencial, ou seja, não fará uma única mudança que toque, ainda que levemente, no sistema.
É que o imperialismo norte-americano não dorme em serviço.

POEMA

RENDIÇÃO


Vem, camarada, vem
render-me neste sonho de beleza!
Vem olhar doutro modo a natureza
e cantá-la também!

Ergue o teu coração como ninguém;
Fala doutro luar, doutra pureza;
Tens outra humanidade, outra certeza:
Leva a chama da vida mais além!

Até onde podia, caminhei.
Vi a lama da terra que pisei,
e cobri-a de versos e de espanto.

Mas, se o facho é maior na tua mão,
vem camarada irmão,
erguer sobre os meus versos o teu canto.


Miguel Torga

PARA MAIS TARDE RECORDAR...

Prosseguem as investigações em torno do «caso BPN», ou seja: da falência fraudulenta do Banco Português de Negócios.
Continuam a chegar notícias várias, género:
- procura-se o paradeiro de 130 milhões de euros correspondentes à venda de uma empresa no Brasil;
- as «ligações do Grupo BPN chegam a deputados do PSD-Madeira; etc, etc.

Por seu turno, Luís Filipe Menezes causou alguma sensação com declarações produzidas anteontem.
Disse ele: «Recebi nessa altura profundas críticas ameaçadoras, algumas por escrito, de alguns ex-ministros que não queriam que avançasse a fiscalização à supervisão bancária (...) por isso tive a demissão de membros da minha comissão política nacional porque eram accionistas de referência do BPN e tinham medo que a supervisão bancária fosse tocar nos interesses, porventura, de instituições financeiras que não estavam a funcionar de acordo com os padrões de transparência de um Estado de Direito».
A meu ver, estas declarações do ex-líder do PSD constituem preciosos contributos para a investigação em curso - tanto mais quanto, solicitado a dizer se os «ex-ministros» estavam ligados ao PSD, Menezes declarou enigmáticamente: «são ex-ministros de Portugal»...

À margem do caso - pelo menos tudo o indica - ficámos a saber que Cavaco Silva recebeu para a sua campanha eleitoral - legalmente, sublinhe-se! - cerca de 100 mil euros em contributos pessoais de personalidades ligadas ao BPN - e que Oliveira e Costa, seu amigo de há, pelo menos, 23 anos, contribuiu pessoalmente com 15 mil euros.

Todavia, a grande NOTÍCIA - pelo menos na minha visão das coisas - é a que nos conta que Dias Loureiro se encontrou, ontem, a seu pedido, com o Presidente da República.
Nesse encontro, o Conselheiro de Estado Dias Loureiro fez questão de garantir solenemente a Cavaco Silva, seu «amigo de há 23 anos», «não ter cometido qualquer irregularidade nas funções empresariais que desempenhou».
Cavaco Silva aceitou a garantia como boa: «Não tenho nenhuma razão para duvidar da afirmação solene que ontem Dias Loureiro me fez».
Assim, Dias Loureiro continuará a pertencer ao Conselho de Estado.

Por mim vou guardar esta NOTÍCIA bem guardada na memória.
Quanto mais não seja, para mais tarde recordar.

POEMA

A TRAIÇÃO


quando do cavalo de tróia saiu outro
cavalo de tróia e deste um outro
e destoutro um quarto cavalinho de
tróia tu pensaste que da barriguinha
do último já nada podia sair
e que tudo aquilo era como uma parábola
que algum brejeiro estivesse a contar-te
pois foi quando pegaste nessa espécie
de gato de tróia que do cavalo maior
saiu armada até aos dentes de formidável amor
a guerreira a que já trazia dentro de si
os quatro cavalões do vosso apocalipse


Alexandre O'Neill

A MINHA ESTRANHEZA CONTINUA

Não há maneira de me ver livre desta estranheza que se apossou de mim ao ler o tal comunicado do Presidente da República.
O que é que leva um homem - neste caso PR - a vir a público dizer que que não tolera «a continuação de mentiras e insinuações» a seu respeito, quando não há conhecimento nem de mentiras nem de insinuações a seu respeito?: eis a pergunta que tenho feito a mim mesmo vezes sem conta e para a qual não encontrei ainda resposta satisfatória.
Estranho, muito estranho.

É certo que várias das personalidades mais ou menos directamente ligadas ao «caso BPN» integraram governos chefiados pelo então primeiro-ministro Anibal Cavaco Silva - e isso pode levar gente mal intencionada a pensar que aqui há gato...
Mas se há pessoas a pensar isso, têm pensado em silêncio e não parece muito curial produzir um comunicado a condenar o que se pensa em silêncio...

É certo, também, que de entre essas personalidades que, em dada altura, Cavaco Silva chamou a si, emerge em plano destacado o agora «detido por burla, fraude fiscal e branqueamento de capitais», Oliveira e Costa - amigo de longa data de Cavaco Silva que, quando ministro das Finanças do Governo de Sá Carneiro, o convidou para vice-presidente do BNU e, mais tarde, quando primeiro-ministro, o chamou a secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
Mas quem há aí, entre os ex-primeiros-minsitros todos, que se atreva a atirar a primeira pedra ao ex-primeiro-ministro Cavaco Silva?
É que, nesta matéria, se é verdade que o Presidente da República não está nada bem acompanhado, não é menos verdade que não está sozinho, nem nada que se pareça.

Acresce que tudo isto confirma exemplarmente uma evidência nacional, a saber: o que está a dar é a profissão de ex-governante.
Estou em crer, mesmo, que uma pesquisa ao percurso dos ex-governantes da política de direita - desde o longínquo primeiro governo de Mário Soares - nos conduziria à conclusão de que (quase) todos eles abicharam importantes e bem remunerados cargos em empresas públicas e privadas - já que, na verdade, como com frequência constatamos, o destino da generalidade desses ex-governantes é fazer fortuna no mundo dos negócios.

Ainda ontem, o Conselheiro de Estado Manuel Dias Loureiro confessava, com uma candura comovente: «Quando saí da política não tinha dinheiro nenhum» - confissão talvez um tudo nada exagerada mas que se percebe numa pessoa que não hesita em partilhar connosco, com simplicidade igualmente comovente, o segredo da sua fortuna: «Geri dinheiro com parcimónia, com sensatez».

Pronto, por hoje é tudo.
Fico-me com a tal estranheza inexplicável.
E a pensar que daqui para a frente vou passar a gerir o meu dinheiro com parcimónia e com sensatez - sabendo que, se assim fizer, dentro de meia dúzia de anos serei um dos homens mais ricos de Portugal.

POEMA

A LEITURA
(brechtiana)


Não te deixes enrolar!
És tu quem tem de pagar...
Põe o dedo em cada letra.
Pergunta: «Por que está 'qui?»


Alexandre O'Neill

RECAPITULANDO...

Dias Loureiro (DL) integrou, como ministro dos Assuntos Parlamentares e ministro da Administração Interna, vários governos do então primeiro-ministro Cavaco Silva, após o que - seguindo a conhecida tradição de ex-governantes de passarem a dedicar-se ao mundo dos negócios - passou a administrador do grupo BPN.
Há três anos, e a convite pessoal do Presidente da República Cavaco Silva, DL passou a integrar o Conselho de Estado.

Com a falência do BPN, surgiram dúvidas sobre o grau de envolvimento de DL em todo o processo - dúvidas que o visado entendeu clarificar e esclarecer.
Rejeitada pelo PS a proposta que fez de, para o efeito, se deslocar à Assembleia da República, DL conseguiu que a RTP o entrevistasse.

Na referida entrevista, DL
esclareceu que não teve conhecimento nem participou nas irregularidades detectadas.
Pronto: está esclarecido.

esclareceu que confiou sempre nas boas intenções e na boa gestão de Oliveira e Costa.
Pronto: está esclarecido.

esclareceu que tinha toda a confiança nos mecanismos de controlo do grupo, enunciando-os: «havia auditorias, havia a supervisão do Banco de Portugal, havia pessoas em quem confiava cegamente».
Pronto: está esclarecido.

esclareceu que, por existirem todos esses mecanismos de controlo, estava tranquilo e assinava as contas mais ou menos de cruz.
Pronto: está esclarecido.

esclareceu que, em Abril de 2002, teve uma conversa com o então vice-presidente do Banco de Portugal, António Marta, ao qual pediu que dedicasse uma atenção especial ao BPN..
Aqui chegada, a sucessão de esclarecimentos de DL foi interrompida por um desmentido de António Marta que corrigiu: «Ele veio perguntar-me por que é que o Banco de Portugal andava tão em cima do BPN» - e acrescentou: «Ele quer ilibar-se».
DL ripostou com a «verdade dos factos»: «Fui dizer ao Banco de Portugal: estejam atentos, exerçam a supervisão»; e António Marta ter-lhe-ia dito: «Estaremos atentos ao BPN e a porta estará sempre aberta para si».
António Marta ripostou: «Ele queria saber por que é que o Banco de Portugal estava com tantas dúvidas sobe o BPN»...
Pronto. Está tudo por esclarecer.

E enquanto aguardamos o esclarecimento total dos factos, eis que somos postos perante mais um intrigante caso a exigir esclarecimento total.
Refiro-me ao comunicado ontem emitido por Cavaco Silva no qual o Presidente da República diz não poder «tolerar a continuação de mentiras e insinuações visando pôr em causa o meu bom nome».
Ora, tanto quanto se sabe, nada do que até agora foi publicado sobre o caso BPN justifica tal comunicado do PR. Se «mentiras e insinuações» houve, não vieram a público - pelo que a indignada reacção de Cavaco Silva - certamente legítima e fundamentada - é, no mínimo, incompreensível para quem conhece do caso apenas o que do caso foi noticiado.

Aguardemos, então, os esclarecimentos.
Todos os esclarecimentos.

POEMA

SALAZAR E FRANCO


Criadores de infernos, garras da Pide
trespassando a desarmada presa:
em Lisboa, Augusto Fineza
Julián Grimau em Madride

Salazar e Franco
do Apocalipse a dupla besta nua
cavalgando nas trevas da encruzilhada:
um a matar à luz da rua
outro, de madrugada

Que a nossa dor, pedra que nos oprime
seja a memória também de pedra
e o bronze de uma voz que não se cala:
Assassinos Assassinos


Luís Veiga Leitão

O LACRAU

Diz a notícia que os governos dos EUA e do Iraque acordaram na «retirada total» daquele país das forças norte-americanas, até ao dia 1 de Janeiro de 2012.
Por mim, confesso que desconfio daquele «total»...

Que os EUA vão retirar tropas do Iraque, não tenho dúvidas: manter em guerra quase 150 mil soldados envolve custos incomportáveis mesmo para o país mais poderoso do mundo.
Portanto - e porque o povo iraquiano não apenas não se rendeu, como resistiu - há que encontrar uma saída. Ou melhor: uma justificação para a saída - e a justificação vai ser a mesma que serviu para a ocupação: a sagrada democracia, pois claro...

Também não tenho razões para duvidar que essa vai ser uma das promessas que Obama irá cumprir: como estamos lembrados, ele pronunciou-se contra a estratégia bushista de enviar o grosso das forças de ocupação para o Iraque, defendendo que o alvo deveria ser o Afeganistão onde, aí sim, se deveria travar «a guerra contra o terrorismo»...

Mas tenho dúvidas (muitas) de que o Presidente Obama decida retirar o«total» das tropas do país que essas tropas invadiram, destruiram e ocuparam selvaticamente.
É que o imperialismo invadiu, destruiu e ocupou, em serviço - e o imperialismo não brinca em serviço...

E dele se pode dizer o que o Armindo Rodrigues nos disse, aqui, um dia destes, a propósito do LACRAU:
«Não se lhe chame traiçoeiro e ruim.
É da condição dele ser assim».

POEMA

PRIMEIRO RETRATO DO NATURAL



E
la queria perceber o que se passa.
Queria?

Passa a rua às risadas.
«Uscumunistas?»

Gritam flores da jarra.
Estão inocentes?

O telefone terrinta.
É o destino?

Na bandeja de prata, o sedativo.
Por tomar?

Na sala das porcelanas, a senhora.
Por viver.

*

De sentinela à porcelana
está Inês ou Teresa ou Ana
(Maria, deixa-se ver).
Tem à mão uma bengala
para o que der e vier:
«Se os bolchevistas entrarem,
vão ver, vão ver!
As porcelanas inteiras
é que eles não hão-de ter!»

*

Porcelana implora
Senhora insiste.
Até que a levam prà cama,
pauzinho em riste, zangada.

É uma terrina vazia
que em sonhos se suicida
à bengalada.


Alexandre O'Neill

PIMBA!

Pires Veloso (PV) vai publicar um livro - Pimba!
Como é hábito sempre que se trata de determinados autores e de determinados livros, PV começou já a ser entrevistado pelos média dominantes.
O entrevistador hoje de serviço foi o Correio da Manhã (CM).

Para evitar eventuais confusões (nestas coisas nunca se sabe...), aqui fica escrito, preto no branco, que não li o livro em questão, pelo que tudo o que se segue tem a ver, apenas e só, com as declarações do entrevistado na citada entrevista.

O 25 de Novembro teve, naturalmente, lugar destacado na entrevista.
Eis algumas das perguntas e respostas sobre o tema (os sublinhados são meus):

Correio da Manhã: «Qual a sua versão sobre o 25 de Novembro de 1975?».
Pires Veloso: «O Partido Comunista queria tomar o poder. Na noite de 24 para 25 de Novembro, militantes da UEC e da JCP estavam em casa à espera que lhes distribuíssem armas para sairem para as ruas. Quem me confirmou isto foi a Zita Seabra»
Perante tão profunda análise, suportada em tão poderoso testemunho, só me resta... pimba!, aplaudir...

CM: «O Partido Comunista deveria ter sido ilegalizado?».
PV: «Ilegalizado não. Mas devia ter sido contido».
CM: «Como é que se contém um partido legal em democracia?».
PV: «Há muitas maneiras de actuar. Não seria à marretada. Mas há um limite de ordem que é preciso impor. Quando eu fui comandante da Região Militar do Norte, por exemplo, a tropa tinha de ir resolver problemas porque a polícia tinha medo. E perguntavam-me como deviam actuar. Dizia-lhes para começarem a bem. Só depois, em último recurso, passavam à acção: se não foram respeitados, batam com muita força».
Ou seja: não à marretada, mas com a força necessária para... não ilegalizar, mas.. pimba! conter democraticamente o partido legal...

Finalmente, solicitado a classificar o comportamento, no 25 de Novembro, de sete dirigentes políticos e militares, PV classificou em primeiro lugar, pimba!: «Dou nota máxima a Mário Soares»; e, em último lugar, Álvaro Cunhal: «Dou-lhe um cinco».
Há que reconhecer, neste caso, que PV sabia do que estava a falar...

Nos próximos dias, PV - pimba! - será entrevistado por tudo quanto é órgão da comunicação social dominante.
E o livro - pimba! - será um enorme êxito.
Em matéria de vendas.

POEMA

A PRIMEIRA PRISÃO...


A primeira prisão é a pele que nos veste,
a segunda a família que nos coube em sorte,
e, limitado a sul, limitado a norte,
limitado a leste, limitado a oeste,
em seguida o país,
em que habita uma gente
que o que faz ou não faz,
que o que diz ou não diz
nos marca para sempre, irremediavelmente.


Armindo Rodrigues

QUE FAZER?

Através do verbo prolixo e inflamado de Sócrates, vamos sendo informados que vivemos no melhor dos mundos; que não há crise que faça travar a marcha gloriosa da política de direita rumo ao recanto mais aprazível do paraíso terrestre; que amanhã tudo será ainda melhor; etc, etc, etc.

Através da vida que levamos, vamos constatando dolorosamente que o reino de Sócrates não é deste mundo; que cada vez nos sobra mais mês no fim do salário; que o desemprego e o emprego precário aumentam; que os ataques aos nossos direitos, liberdades e garantias se multiplicam, etc, etc, etc.

Através de números ontem fornecidos pelo Banco de Portugal, ficámos a saber que «o total das dívidas contraídas pelas famílias portuguesas representa em média dois anos de salários»; que «as condições deverão agravar-se ainda mais em 2009, colocando sobretudo em risco as famílias mais carenciadas e os agregados mais jovens», etc, etc, etc.


Pergunto: face a este panorama, QUE FAZER?

POEMA

O LACRAU


Couraçado como um guerreiro antigo,
o lacrau de orgulhoso e esbelto porte,
no chão, quieto, espreita o inimigo,
para num brusco abraço lhe dar a morte.
Não se lhe chame traiçoeiro e ruim.
É da condição dele ser assim.


Armindo Rodrigues

Pão, circo e outros foguetórios!

Terá sido para «inglês ver» ????


http://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Nacional/Interior.aspx?content_id=1045835

EXPERIÊNCIA PRÓPRIA

A frase é esta:
«Basta ler as teses do PCP, para ver que não quer aliança nenhuma. Aliás, nunca quis, e foi um dos males da nossa democracia em 74/75. O PCP privilegiou um entendimento com um sector do MFA em detrimento da aliança com o PS».

Quem a proferiu foi Manuel Alegre, deputado do PS há (se a memória me não falha) 33 anos.

A frase sugere algumas observações:
Ao dizer o que disse, Alegre sabia -melhor do que ninguém - que estava a mentir:

sabia, em muitos casos por experiência própria, dos muitos esforços desenvolvidos pelo PCP para alianças e entendimentos com o PS, antes, durante e depois do 25 de Abril - e das respostas do PS e das suas opções em matéria de alianças;
sabia, por experiência própria, que o PS se assumiu, desde cedo, como vanguarda da contra-revolução;
sabia, por experiência própria, que o PS esteve ligado ao terrorismo bombista que, financiado pelos serviços secretos dos principais inimigos da Revolução de Abril, espalhou o terror, destruíu centros de trabalho do PCP, e feriu e matou vários militantes comunistas;
sabia, por experiência própria, que essas acções terroristas tinham como objectivo impedir o povo português de decidir sobre o seu futuro e, por isso, configuravam autênticos actos de traição nacional;
sabia por experiência própria, que o PS, protagonizando uma política de alianças com tudo o que de mais à direita existia em Portugal, foi o iniciador da política de direita que há 32 anos tem vindo a flagelar os trabalhadores, o povo e o país, e a vender a soberania nacional ao grande capital;
sabia, por experiência própria, muito mais do que todos nós sabemos - e certamente muito mais que só ele sabe e não diz a ninguém...

Assim, ao dizer o que disse e assobiando para o lado em relação a toda a sua vasta experiência própria, o Alegre de hoje confirmou e avalizou o Alegre desses tempos - o que é bem revelador dos seus objectivos actuais...

POEMA

SENTENÇA


Quem pense e não aja
conforme ao que pensa
faz aos mais ofensa
e a si próprio ultraja.
Bem haja, bem haja
quem o medo vença.


Armindo Rodrigues

JCP não se rende

Os dois jovens comunistas, condenados pelo Tribunal de Viseu «por dano simples», devido à pintura de um mural e após uma queixa da Câmara Municipal, vão recorrer da sentença. Além da contestação judicial e dos veementes protestos públicos que este processo suscitou, a Juventude Comunista Portuguesa reafirma que «na actividade normal, vamos continuar a pintar murais e a fazer as actividades que decidirmos». Hugo Garrido, da Comissão Política da JCP, adiantou ainda ao Avante! que uma das ideias que já estão em marcha é a pintura de um mural «pela liberdade e a democracia», com a participação de jovens comunistas e de artistas plásticos que não se conformam com manobras intimidatórias e persecutórias.

Fonte: Jornal Avante!

POEMA

PERSPECTIVA


Um dia,
quando eu sair do meu emprego,
hei-de encontrar
logo ali, à esquina,
o meu bravo cavalo de batalha
e irei calagando por aí fora.

Na minha grande lança
ficarão naturalmente espetados todos os capitalismos
- levemente torcidos como um colar de chouriços -
Não havendo, enfim, logo a seguir mais lutas a travar,
darei liberdade ao meu cavalo de batalha
e ficarei quieto
sossegado
a vê-lo pastar.

Mas se assim não for,
muita coisa me poderá acontecer
nesta minha bela terra.
Perseguições,
vigílias, fomes, calabouços,

e os meus filhos pequeninos a mendigar.


Francisco Viana

Recordar António Aleixo

Perfaz hoje 59 anos desde da morte do querido poeta popular António Aleixo, o colectivo do Cravo de Abril não esquece o poeta do povo e publica uma quadra que incita à construção de um mundo melhor. Esse momento chegará e só depende da atitude de cada um de nós:



O mundo só pode ser
melhor do que até aqui
quando consigas fazer
mais p´los outros que por ti!

POEMA

QUE PESSOA PERDOE...


Digo:
Vamos olhar para longe?
Insinuas
- Não vale a pena...

Murmuro:
Vamos saber o que existe?
Amuas
- Não vale a pena...

Balbucio:
Vamos ser o que não fomos?
Lamentas-te
- Não vale a pena...

Grito:
Vamos dizer a verdade?
Abespinhas-te
- Não vale a pena...

Chiça,
que mesquinhez de alma tão pequena!


Francisco Viana

«OS MENINOS NASCEM»

O Tribunal de Viseu condenou dois militantes da JCP - Luís Barata e Catarina Pereira - por «crime de dano simples».
A juíza decidiu que os réus deveriam pagar 350 euros de multa e 102 euros de indemnização à Câmara Municipal de Viseu.
O «crime» cometido pelos dois jovens foi o de teram pintado um mural que dizia assim:
«8º Congresso da JCP. Transformar o Sonho em Vida. 20 e 21 de Maio. Vila Nova de Gaia».

A prisão dos dois jovens quando pintavam o mural (e o roubo das tintas e pincéis); o seu julgamento; e a sentença proferida pela juíza, constituem óbvias violações da liberdade de expressão - e cumpre registar que casos destes são cada vez mais frequentes nesta democracia burguesa (ao serviço do grande capital) - que cada vez mais nos traz à memória a ditadura fascista (ao serviço do grande capital).

Também os polícias que, então, prenderam o Luís e a Catarina e a juíza que, agora, os condenou, nos trazem à memória aqueles «bombeiros» criados pela imaginação de Ray Bradbury e que, em vez de apagarem incêndios, os ateavam, usando livros como lenha -e assim fazendo o que lhes diziam ser a justiça...

A propósito: com frequência vemos e ouvimos pessoas - regra geral bem vestidas, bem penteadas e bem engravatadas, e que estão a aguardar julgamento e (ou) sentença - dizer, com grande convicção: «Tenho confiança na justiça!».
Pois bem: no que me diz respeito, em princípio, não tenho confiança na justiça.
Isto, porque, parafraseando Marx e Engels, penso que a justiça dominante é a justiça da classe dominante - como o comprova a condenação dos dois militantes da JCP...

Dizem os jornais que «no Tribunal apenas compareceu o Luís, já que a Catarina foi mãe esta semana e pediu escusa».
Ou seja: como avisa o Papiniano Carlos no seu belíssimo poema... «os meninos nascem», e são o Futuro, e fitam e avisam os tiranos:

«esta simples criancinha dormindo no seu berço,
este menino ainda na barriga da mãe, olhai
como vos fitam
serenos e terríveis».


POEMA

PAPO


Lá vem o quarto administrador
pôr o ponto final na administração.

É muito sério este senhor:

Ai, meu Deus...
(Refiro-me ao poeta João da Cartilha)
«O dinheiro é tão bonito...
Tlim...)

Que bonita quadrilha!



Francisco Viana

AS MIL FACES DA JUSTIÇA

A falência do BPN é, como toda a gente sabe, «um caso de polícia».
O que coloca, desde logo, a questão de saber por que razão os responsáveis não foram, de imediato, detidos para averiguações.
É costume dizer-se que a justiça é lenta.
Será... mas nem sempre: um dia destes, uma mulher idosa foi presa, aqui no supermercado, por ter saído levando consigo, sem ter pago, uns pacotes de arroz e de massa, umas latas de atum... e logo no dia seguinte foi levada a tribunal, julgada e condenada.
Como se vê, neste caso a justiça foi célere...

Mas voltando ao BPN: parece não haver dúvidas de que o caso chegou ao que chegou, também por efeito da proverbial lentilentilentidão do Banco de Portugal (BP) - que só agiu... quando não podia mesmo deixar de fazê-lo, à semelhança, aliás, do que aconteceu no caso BCP - e, isto digo eu, sabe-se lá se outros casos semelhantes não estão por aí em desenvolvimento...

Alguns comentadores estranham (e tecem críticas) o facto de o Governador do Banco de Portugal - Vítor Constâncio - recusar demitir-se e ostentar uma postura de ostensiva subserviência face ao Governo.
Bom, a recusa percebe-se: Constâncio é «o funcionário mais bem pago do Estado Português» (ganha, anualmente, 281.804, 83 euros) e, demitindo-se do BP em lado algum ganharia coisa semelhante - não obstante ter assegurada (assim o creio) uma choruda e tranquila reforma.

Acresce que Constâncio parece ser pedra fundamental para o esclarecimento da (mais do que esclarecida) falência, de modo a que a justiça - a tal!... - cumpra o seu dever.

Na sua ida ao Parlamento, o Governador do BP procedeu a uma curiosíssima leitura dos acontecimentos.
Disse ele, segundo o Público, que há dois comportamentos distintos das duas administrações directamente envolvidas no caso:
no primeiro comportamento, com Oliveira e Costa na presidência, foram praticadas múltiplas irregularidades e ilegalidades e foi escondida informação ao BP;
no segundo comportamento, depois da demissão de Oliveira e Costa, em Fevereiro de 2008 (por «razões de saúde»), passou a ser fornecida informação ao BP (a informação da falência consumada, presumo...)
Depois, há um terceiro comportamento: o da administração de Miguel Cadilhe, da qual Constâncio revela que «sem a crise financeira, talvez o BPN tivesse sido recuperado num plano idealizado pela equipa do dr. Miguel Cadilhe, uma equipa de pessoas íntegras, de grande experiência bancária».
(E há, ainda, obviamente, o quarto comportamento: o dos bombeiros que a CGD enviou para apagar o gigantesco incêndio).

Estou em crer que, por este andar, a justiça ainda vai condenar... a crise - que impediu a «equipa do dr. Miguel Cadilhe» de salvar o BPN.
E é muito provável que a mesma justiça proporcione substanciais indemnizações aos administradores da falência fraudulenta:
aos primeiros, porque sim... - como é sabido a justiça é cega;
aos segundos, porque informaram o BP - como é sabido a justiça é justa;
aos terceiros, pelos bons serviços que teriam prestado se não fosse a crise - como é sabido a justiça tem olho de lince.

Entretanto, a farsa continua.

POEMA

PONTO FINAL


Bom dia... Senhor Moniz.
Bom dia senhor Sertório.
Bom dia, senhor, Pascoal...

Às nove e quarenta e cinco entra a gerência;
Mas para falar desta gente já me falta a paciência.

Ponto final.


Francisco Viana

daqui te grito camarada...

acordou a vila em polvorosa. a mina vai fechar, e o medo assolou as consciências dos mineiros. uma vida de futuro hipotecado pela ganância do capitalismo. a empresa esconde-se num silêncio escabroso e na conjuntura de crise internacional escamoteia as responsabilidades na baixa cotação do zinco. não lhe interessa a crise provocada na fome das famílias que, sem misericórdia, atira ao chão apontando o pó da mina como refeição às gargantas juvenis fruto do amor entre operários. daqui lhes pergunto onde estão agora as ofensas rosnadas aos comunistas e ao sindicato quando lhes indicávamos outras estratégias e outra sensibilidade. porque não se preocuparam em dar formação aos mineiros de forma a que as perdas de produção fossem mínimas? porque se atiraram como cães ao zinco desprezando a prata e o cobre que agora lhes cobririam as dividas e o prejuízo? como justificam que uma das maiores minas de pirite do mundo não seja rendível quando outras, na mesma conjuntura internacional, o são? que palavras tem agora o primeiro-ministro, depois de aquelas que acutilantemente lançou ao Partido Comunista quando à porta da empresa Pirites Alentejanas, no dia 19 de Maio, alguns dos seus militantes o alertavam para a precariedade do trabalho e sub-contratação que esta empresa efectuava? onde está o chefe de governo agora a exigir os duzentos e vinte postos de trabalho efectivos que anunciou apenas há meses? como pode tolerar o Estado que os recursos que ejectou na empresa mineira apenas tenham servido para os ordenados milionários dos seu gestores? como justificam eles o abandono desta gente de Aljustrel? como calam agora estas lágrimas de companheiros meus que hoje choraram no Sindicato? que dizem agora a jovens que largaram tudo o que tinham certo para se meterem nesta aventura que o governo garantiu ser de confiança? onde estão os milhões que todos nós demos, através do Estado que somos todos, e que não foram por isso para escolas, hospitais ou jardins públicos? onde estão? onde estão? como calar a voz triste de gente da minha idade que legitimamente ambicionou uma vida melhor e agora se vê desprovida de tudo menos da amargura profunda? daqui te grito camarada, são malhas que o capitalismo tece...

A luta é o caminho. hoje, como ontem, como sempre... PCP PRESENTE

foto: plenário de trabalhadores no Sindicato da Indústria Mineira. Aljustrel, 13 de Novembro de 2008.

POEMA

SPARTACUS


Em cada hora
Em cada dia
Século após século
os homens arremessam o teu nome ao vento
e dele saem dardos, punhais, espadas
e dele saem pombas e flores ensanguentadas
De cada letra um filho
De cada som um eco

Teu nome-profecia
Teu nome vinho-novo
que ao terceiro dia há-de ressuscitar
nas veias do meu povo

Teu nome
que mil vezes tem sido agrilhoado
Teu nome sangue-mel
nos lábios do carrasco uma esponja de fel

Teu nome-escravo
Teu nome-espectro
fantasma de terror na noite de algozes
temido como as vozes que clamam no deserto

Teu nome-salmo
escrito em cada corpo morto
em cada cruz erguida

Teu nome-espiga
que se transforma em pão
Teu nome-pedra
da construção do mundo
que será o fruto do teu gesto

Teu nome
em cada gesto do esvoaçar das asas
da gaivota presa

Teu nome
vela-acesa na catedral da esperança
do altar-homem

Teu nome
em cada grito
em cada mão

Teu nome-sinfonia
que há-de explodir com a alegria
de um átomo liberto

Spartacus!
Teu nome-irmão.


Maria Eugénia Cunhal

eu, comunista, vos acuso!

13 de Novembro. dia triste em Aljustrel.
a mina fechou. e um mar de desempregados invade o sindicato mineiro, em busca de algum conforto para as lágrimas. a mina fechou. a mina fechou. e fecharam-se os corações de muitos operários num desespero de quem tem o futuro hipotecado.
estou, sortudo nesta conjuntura, no trabalho. não posso escrever mais. logo à noite o farei. até lá, digo-o daqui, a culpa é da gestão danosa da empresa e da vaidade inconsequente do Sócrates. daqui, eu comunista, vos acuso! tenham um pingo de vergonha, envergonhem-se da fome promovida! eu, comunista, VOS ACUSO!

GÉNIO PRECOCE

A célebre entrevista-maratona de Sócrates ao DN continua a dar que falar.
A falação dos últimos dias reporta-se ao momento em que, na referida entrevista, o tema Obama veio à baila.
Nessa altura, Sócrates fez o que lhe competia: procedeu à louvação da praxe ao ainda candidato à presidência dos EUA mas já anunciado Salvador do Mundo.
Foi então que, certamente embalado pela emoção, Sócrates recordou os sinais de «mudança» e de «esperança» que, em tempos longínquos, a candidatura de Kennedy acendera no povo norte-americano.
E, apelando à memória, confessou: «Lembro-me bem do debate que houve na América quando, pela primeira vez, um católico se candidatou a presidente. Lembro-me do que isso significou».

Até aqui tudo bem: Sócrates «lembrava-se» e e tornou pública a «lembrança» desse acontecimento que vivera intensamente..
Acontece que alguém se lembrou de fazer contas e constatou que essa candidatura e esse debate que tão vivamente impressionaram Sócrates, ocorreram quando o actual primeiro-ministro tinha... três anos de idade...
Pronto, a falação começou e vários têm sido os comentadores e cronistas a brincar com a imagem do miúdo de três anos a vibrar entusiásticamente com as eleições nos EUA.

Ora - e é aqui que entra a minha tese - estou em crer que, se houve lapso, não foi da memória de Sócrates mas do DN: penso eu de que... pode muito bem ter acontecido que o jornal não tenha publicado a frase completa, pelo que se o tivesse feito, além do que lemos teríamos lido estas palavras dignas de Sócrates: «Lembro-me bem de tudo isso porque, tendo na altura apenas três anos de idade, eu já era o génio que sou hoje».

Não acham que esta tese tem pés para andar?

POEMA

PRESENÇA


Quem virá salvar o mundo?

Os deuses faliram,
todas as súplicas resultaram inúteis.
Mesmo a grande esperança que Jesus nos trouxe
foi ultrajada.
E Jesus não volta mais.
Os vendilhões abriram tendas inumeráveis
e Judas multiplicou por milhões os 30 dinheiros.
Por isso as cidades foram abrasadas
e os heróis moços tombaram
entre as papoilas rubras da planície.
E a angústia suprema alagou os campos e as cidades
e se fechou a maior noite dos tempos.

Agora só NÓS salvaremos o mundo.


Papiniano Carlos

O QUE CONTA

A manifestação dos professores foi o que toda a gente que quis viu: um mar de gente, correndo de todo o Pais e desaguando no oceano das ruas e avenidas de Lisboa, numa maré cheia de força, de determinação, de confiança.
120 mil pessoas - correspondendo a cerca de 85% do total de professores e educadores existentes em Portugal - vieram à rua dizer de sua justiça e dizer uma série de verdades a José Sócrates, ao seu Governo e à sua ministra.
Foi bonito de ver!

Sócrates e a sua ministra disseram o que toda a gente ouviu - que, aliás, é o que habitualmente dizem nestas situações, confirmando uma vez mais que o seu conceito de democracia ignora os valores e princípios fundamentais da Democracia.

Entretanto - e com é hábito nestas situações - duas figuras foram projectadas pelos média para a ribalta:

1 - O saltitante Louçã que, como é hábito, foi fotografado, filmado e ouvido por tudo quanto é jornal, rádio e televisão - e que, assim, teve oportunidade de, como habitualmente, falar como se tivessem sido ele e o seu partido os grandes organizadores da manifestação.
Quer isto dizer, que a habitual campanha de promoção eleitoral de Louçã e do BE, prossegue de vento em pôpa nos habituais média propriedade do grande capital.

2 - O inevitável Manuel Alegre que - qual bombeiro de serviço ao PS com governos em dificuldade - cumpriu, com a habitual voz grossa e bem colocada, a sua habitual crítica ao Governo e à respectiva ministra - com isso querendo dizer que uma coisa é este governo PS cheio de «pulsões autoritárias», outra coisa, e bem diferente, é este PS, de que Alegre faz parte, cheio de pulsões democráticas e sociais...
Porque, clamou Alegre, recorrendo à terminologia habitual nestas situações, «Isto não é suportável por parte de um Governo que tem cultura e tradição democrática».

Esta afirmação de Alegre é, como habitualmente, sonante e grandíloqua - mas foi pena que o deputado do PS, como é seu hábito, não nos tenha dito onde é que poderemos encontrar essa «cultura e tradição democrática».
No actual Governo PS?...
Nos anteriores governos PS? - se sim, em qual deles?: nos de Mário Soares?; nos de Guterres?
Ou essa «cultura e tradição democrática» apenas dá sinal de si nas declarações habitualmente proferidas por Alegre sempre que um Governo PS está em descrédito?
Ou a tal «cultura e tradição democrática» está contida nas declarações de voto habitualmente proferidas por Alegre quando, habitualmente, vota a favor de todos os Orçamentos do Estado de todos os governos PS»?
Ou?...

Entretanto, os professores anunciaram que vão continuar a luta. Pelos seus direitos e interesses.
E é isso que conta.

POEMA

RENOVAÇÃO


Em cada dia morre um homem em mim.
Em cada dia nasce um homem em mim.
Só o itinerário é o mesmo, e isso decerto basta.
E eu tenho saudade dos homens que fui!
E eu anseio, espero os homens que serei!
Dia após dia, eu me renovo, sigo sempre.
Meus olhos de ontem não são meus olhos de hoje.
Um mundo morre, outro mundo nasce em cada dia.
So o itinerário é o mesmo, e isso decerto basta.


Papiniano Carlos

ELES LÁ SABEM PORQUÊ

O Expresso - à semelhança de todos os seus gémeos (semanários e diários) - prossegue a ingente tarefa de elevar acima dos píncaros da lua a imagem do novo presidente dos EUA.
Assim, integrando «o delírio global pela histórica eleição de Obama», e a propósito de Obama ser negro, o Expresso pergunta: «E nós, podemos ter um Obama?» - isto é: podemos ter, em Portugal, um presidente negro?
E dirigiu essa pergunta a representantes dos partidos do costume: PS, PSD, CDS/PP e o omnipresente BE - os quais responderam, presumo que em coro, que «não imaginam tal no curto prazo».

Vai daí, o Expresso virou a agulha: resolveu fazer balanço dos negros existentes nas direcções dos partidos portugueses.
E, peremptório, sem sombra de qualquer dúvida, informou assim, preto no branco: «o BE foi o primeiro partido em Portugal a ter um negro nas listas para a sua direcção».
É claro que se trata de uma falsa informação, mas isso não importa, não é verdade?: a falsidade ficou escrita, provavelmente será repetida por outros jornais, e a curto prazo será tida como verdade incontestável...

Obviamente, o Expresso não ouviu nenhum dirigente do PCP.
E como também não fez o trabalho de casa, livrou-se da chatice que era informar com verdade os seus leitores, designadamente dizendo-lhes que ainda o BE não era nascido (muito longe disso!) e já o PCP tinha no seu Comité Central um cidadão negro.

Não é que a questão, em si, seja particularmente relevante: trago-a aqui apenas para lembrar os métodos e práticas a que recorrem os média dominantes para cumprirem as tarefas que lhes estão destinadas.
Neste caso a tarefa de todos os dias que é - eles bem sabem porquê - silenciar e menorizar o PCP e proclamar aos quatro ventos as incomensuráveis virtudes do BE.

POEMA

ITINERÁRIO


Os milhares de anos que passaram viram
a nossa escravidão.

NÓS carregámos as pedras das pirâmides,
o chicote estalou,
abriu rios de sangue no nosso dorso.
NÓS empunhámos nas galés dos césares
os abomináveis remos
e o chicote estalou de novo na nossa pele.
A terra que há milhares de anos arroteámos
não é nossa,
e só NÓS a fecundamos!
E quem abriu as artérias? quem rasgou os pés?
Quem sofreu as guerras? quem apodreceu ao abandono?

E quem cerrou os dentes, quem cerrou os dentes
e esperou?

Spartacus voltará: milhões de Spartacus!

Os anos que aí vêm hã-de ver
a nossa libertação.


Papiniano Carlos
(In Estrada Nova)

PARABÉNS, POETA!

Papiniano Carlos faz hoje 90 anos.
Nasceu em Moçambique e veio, com 10 anos, para Portugal, para o Porto.
Frequentou o Liceu Alexandre Herculano, entrando depois para Engenharia, cursando ainda Matemáticas na Faculdade de Ciências do Porto e em Coimbra - onde conheceu a sua companheira Olívia Vasconcelos.
Não ingressou no ensino oficial - tendo que passar a dar explicações particulares - por se ter recusado a assinar a declaração anti-comunista então exigida pelo regime fascista aos funcionários públicos.

Em 1942, já integrando o movimento neo-realista, publicou o seu primeiro livros de poemas: Esboço.
Publicou depois, entre outros: O Lutador (1944); O Poema da Fraternidade (1945); Estrada Nova (1946); Terra com Sede (contos/1946); Mãe Terra (1948); As Florestas e os Ventos (1952); Caminhemos Serenos (1958); A Ave sobre a Cidade (1973 - selecção de poemas dos livros anteriores, mais Os Ciclistas).
Publicou, ainda, livros para crianças, designadamente: A Menina Gotinha de Água; O Grande Lagarto da Pedra Azul; O Cavalo das Sete Cores e o Navio.

Papiniano Carlos aderiu ao PCP em 1949. Fez parte do Sector Intelectual do Porto, desenvolvendo tarefas de apoio aos funcionários clandestinos do Partido.
«Com episódios rocambolescos de disfarce e fuga por perseguição policial, foi várias vezes detido pela PIDE por pequenos períodos, nunca tendo sido levado a tribunal».

Papiniano Carlos continua a publicar.
E continua militante do PCP.

Hoje, pelas 17 horas, camaradas e amigos de Papiniano Carlos, festejarão com o Poeta, no Ateneu do Porto, o seu 90º aniversário.

Parabéns Poeta.

POEMA

OS MENINOS NASCEM


Vós podeis, tiranos, forjar ainda mais sólidas algemas,
chapear de aço as paredes das nossas e vossas cadeias,
e fazê-lo-eis;

Vós podeis, tiranos, cravar mais fundo as vossas baionetas,
esmagar-nos nas ruas debaixo das patas dos vossos cavalos,
e fazê-lo-eis;

Vós podeis, tiranos, roubar, incendiar, fuzilar sem descanso,
vedar os caminhos ainda livres, envenenar as fontes ainda puras,
e fazê-lo-eis;

Vós podeis, tiranos, vir de novo descarregar a vossa cólera
sobre Oradour,
lançar vossa chuva de raios sobre nosso humano desejo de viver,
e fazê-lo-eis,

Vós podeis, tiranos, inventar ainda piores suplícios,
mordaças mais espessas, baixezas mil vezes mais desumanas
para Buchenwald,

inutilmente o fareis:

Esta simples criancinha dormindo em seu berço,
este menino ainda na barriga de sua mãe, olhai
como vos fitam
serenos e terríveis.


Papiniano Carlos

CONFIDÊNCIAS DE MÁRIO SOARES

«Na época em que estive no partido comunista e durante os anos em que estive na faculdade de letras fui militantemente neo-realista» - confidenciou Mários Soares, no decorrer de uma palestra proferida no Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira.
Prosseguindo as confidências, revelou ter escrito «um livro e vários contos» que, contudo, nunca chegaram a ser publicados, razão pela qual se considera «uma espécie de escritor frustrado».
Sempre em maré de confidências, afirmou que poderia ter «singrado como escritor» - «não necessariamente neo-realista», pois «suponho que teria evoluído como muitos outros» - e fundamentou assim a afirmação: «O meu pai, que era um pedagogo, dizia-me: tu deves é ir para escritor, mas fui apanhado pela política e a verdade é que não tive nunca tempo para escrever livros».
Foi pena: isto digo eu - que penso que se Soares tivesse seguido o conselho paterno, mesmo que não ganhássemos um grande escritor, ganharíamos - e de que maneira! - em não o ter tido como político.

Sempre em maré de confidências, desta vez artísticas - e certamente para afastar fantasmas que lhe tiram o sono... - Soares proclamou: «Álvaro Cunhal era uma grande personalidade política, de uma inteligência extraordinária, mas não era um escritor. Nem sequer um pintor, embora tivesse muita habilidade para desenhar».
Pois não...: isto digo eu.

Ainda em confidência, Soares fez um pitoresco relato da sua militância neo-realista e comunista «nos corredores da faculdade de letras»: «Distribuía uns livros às meninas que por ali andavam e metias-as todas ou no partido comunista ou no MUD Juvenil»
Simples e fácil, como se vê: isto digo eu: que imagino o jovem Soares (garanto-vos que ele foi jovem... no BI), todo lampeiro, a recrutar as «meninas todas» - nem uma lhe escapava! - para a função resistente a troco de «uns livros»...

Mas pelos vistos, a tarefa, talvez por demasiado simples e fácil, não agradou ao jovem Soares (no BI...): «Saí do partido comunista - embora eles digam que me expulsaram - mas essa é já uma questão um pouco sibilina».
E prosseguiu a confidência, dizendo que o seu nome surgiu, no jornal Avante, «entre os traidores ao partido comunista» - rematando, sibilino: «isso era desagradável porque era uma maneira de denunciar que tínhamos sido do partido».
Alto aí!: isto digo eu - que não quero deixar passar este clamoroso lapso confidencial do velho Soares (garanto-vos que ele sempre foi velho, excepto no BI...).
Vamos lá pôr os pontos nos is: os militantes comunistas que o PCP considerava «traidores» eram os que, apanhados pela PIDE (nessa altura PVDE), traíam - pelo que, se o Avante falava neles, era porque... antes, já eles próprios tinham falado em si próprios, denunciando-se como membros do Partido.
E, por vezes, denunciando outros.
E, por vezes, dizendo à polícia tudo o que ela queria saber.
Ou seja: ao contrário do que Soares confidenciou, não era o Avante que denunciava...

E por hoje chega de confidências.

POEMA

VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA


Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
lá tenho a mulher que eu quero
na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
de tal modo inconsequente
que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
vem a ser contraparente
da nora que nunca tive

E como farei ginástica
andarei de bicicleta
montarei em burro brabo
subirei no pau de sebo
tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
deito na beira do rio
mando chamar a mãe-d'água
pra me contar as histórias
que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
é outra civilização
tem um processo seguro
de impedir a concepção
tem telefone automático
tem alcalóide à vontade
tem prostitutas bonitas
para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
mais triste de não ter jeito
Quando de noite me der
vontade de me matar
- Lá sou amigo do rei -
terei a mulher que eu quero
na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.


Manuel Bandeira

FESTEJEMOS, IRMÃOS! ALELUIA!

Estamos, então, perante promissoras perspectivas de futuro.
Certamente as mais promissoras de sempre ao longo da história da humanidade.
É isso, no mínimo, que podemos deduzir quer das apreciações da generalidade dos média nacionais e internacionais à eleição de Obama, quer das opiniões expendidas sobre o mesmo tema por relevantes figuras políticas de todo o planeta.

«Momento histórico»; «Vitória da mudança»; «A América e o mundo vão mudar»; «O mundo já começou a mudar» «O triunfo do Sonho Americano»: declarações e títulos como estes têm sido, desde ontem, o pão nosso de todas as horas.
É claro que as «mudanças» apregoadas são, não apenas de carácter positivo, mas upa-upa: tantas e tamanhas são as bem-aventuranças anunciadas que, na realidade, tudo indica estarmos perante a tão ansiosamente esperada Boa-Nova.

O próprio Obama, no seu discurso da vitória, proclamou: «A mudança chegou à América».
E, se me permitem, aproveito para sublinhar que - dizendo o que disse e como disse - o novo Presidente norte-americano perdeu uma excelente oportunidade de iniciar a «mudança» passando desde logo a chamar «Estados Unidos da América» àquilo a que todos os seus antepassados, em linguagem de donos de tudo, chamam «América»...
Mas, pronto, um homem não se pode lembrar de tudo... e como se sabe, os EUA, fazendo uso daquele seu hábito expansionista que têm desde pequeninos, sempre viram o continente americano como coisa sua e só sua...
Aliás, são muitos e vêm de longe os hábitos dos EUA nestas matérias: foi talvez usando outro desses hábitos antigos que Obama designou o seu país como «Terra dos livres e lar dos bravos», certamente a pensar na história do que estes «livres» e «bravos» fizeram desde Hiroshima ao continente americano, passando pelo Iraque e pelo Afeganistão - sempre no cumprimento de um muito específico «sonho americano» que é pesadelo de milhões de pessoas.

Logo a seguir, Obama, marcando o tempo da «mudança», explicou: «Não chegaremos lá num ano ou, talvez, num mandato. Mas, prometo, chegaremos».
E ao ler esta explicação - plena de sabor pós-vitória eleitoral ... - não pude deixar de perguntar-me: mas onde é que eu já ouvi isto?

POEMA

IRENE NO CÉU


Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor.

Imagino Irene entrando no céu:
- Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão:
- Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.


Manuel Bandeira
-

Crise? Qual Crise?!? - II

"A EDP registou lucros na ordem dos 940 milhões de euros nos primeiros nove meses do ano (...)"

E mais não digo.

POEMA

O BICHO


Vi ontem um bicho
na imundície do pátio
catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
não examinava nem cheirava:
engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
não era um gato,
não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.


Manuel Bandeira

SOBRE AS ELEIÇÕES NOS EUA

NOTA DO GABINETE DE IMPRENSA DO PCP


A gigantesca operação produzida a propósito das eleições presidenciais nos EUA não pode ser desligada da actual crise do capitalismo - que tem tido particular expressão nos EUA - e das várias tentativas em curso que procuram reabilitar o sistema capitalista e o papel da potência hegemónica que os EUA constituem no plano internacional.

Não ignorando diferenças entre os candidatos republicano e democrata, a verdade é que ambas as candidaturas não disfarçam o seu vínculo a um projecto de dominação no plano económico, ideológico e militar do mundo.

Para o PCP a eleição de Barack Obama como presidente dos EUA está longe de corresponder às expectativas que a gigantesca campanha mediática mundial procurou criar para construir a ilusão de uma mudança e de uma viragem na política dos EUA e do seu papel na esfera internacional.

POEMA

MADRIGAL TÃO ENGRAÇADINHO


Teresa, você é a coisa mais bonita que eu vi
até hoje na minha vida,
inclusive o porquinho-da-Índia
que me deram quando eu tinha seis anos.


Manuel Bandeira

FAZER DAS SUAS

O Programa Prós e Contras continua a fazer das suas.
Aliás, fazer das suas é só o que o referido Programa sabe fazer - para isso e por isso foi criado.

Na sua edição de há uma semana, o Programa entendeu debruçar-se sobre as questões da habitação.
Para o efeito, a responsável - Fátima Campos Ferreira, jornalista-tipo da nova ordem comunicacional - chamou representantes dos partidos da casa (PS, PSD e BE) - e, insistindo sempre em fazer das suas, excluíu o PCP.
A exclusão dos comunistas não surpreende: faz parte dos critérios habituais da generalidade dos média dominantes, propriedade dos grandes grupos económicos e financeiros e, por isso, todos eles devotados ao pluralismo, à imparcialidade e à isenção...

O PCP, em carta assinada pelo seu dirigente Vasco Cardoso, protestou junto de quem de direito, demonstrando que tal exclusão configura uma situação deveras bizarra, ou seja: dizendo que queria discutir as questões da habitação, Fátima Campos Ferreira excluíu nem mais nem menos do que o partido que apresentou na Assembleia da República a «única proposta global sobre as questões da habitação», portanto o que em melhores condições estaria e maior legitimidade teria para ir ao Programa... caso este quisesse, de facto, discutir seriamente a matéria anunciada...

Presumo que os partidos da casa desempenharam a contento os respectivos papéis - e que o BE há-de ter aproveitado bem a oportunidade de caça ao voto - uma entre as muitas oportunidades que todos os dias, de todas as semanas, de todos os meses, lhe são proporcionadas pelos média (públicos e privados) ao serviço dos interesses do grande capital - eles lá sabem porquê...
E nós também.

POEMA

PORQUINHO-DA-ÍNDIA


Quando eu tinha seis anos
ganhei um porquinho-da-Índia.
Que dor de coração eu tinha
porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele pra a sala
pra os lugares mais bonitos e mais limpinhos
Ele não se importava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...

- O meu porquinho-da-Índia foi a minha primeira namorada.


Manuel Bandeira

POEMA

POEMA DE FINADOS


Amanhã que é dia dos mortos
vai ao cemitério. Vai
e procura entre as sepulturas
a sepultura de meu pai.

Leva três rosas bem bonitas
ajoelha e reza uma oração.
Não pelo pai, mas pelo filho:
o filho tem mais precisão.

O que resta de mim na vida
é a amargura do que sofri.
Pois nada quero, nada espero.
E em verdade estou morto ali.


Manuel Bandeira

ENTERRAR OS MORTOS E CUIDAR DOS VIVOS

A propósito do Dia de Finados, o DN de sexta-feira publicou uma interessante reportagem de Kátia Catulo, que levou a jornalista a falar com várias pessoas ligadas a «profissões que lidam com os mortos».
Luís Lopes, de 36 anos, coveiro do cemitério do Cadaval, foi um dos contactados.
Substituindo um velho coveiro entretanto falecido - e que nos últimos anos de vida desistira de «cuidar dos mortos» e do cemitério - Luís conta que «muito antes de saber que um dia iria trabalhar aqui, vinha muitas vezes visitar o senhor Pedro» que, entretanto, lhe «ensinou o ofício na esperança de que o aprendiz ocupasse um dia o seu lugar».
Como veio a acontecer.
Luís começou por limpar o cemitério e as campas do mato e das ervas daninhas que os tinham invadido e passou a cumprir o seu papel de coveiro.

Diz ele que «os mortos não me metem medo. Com os vivos é diferente» - mas acrescenta que «é aos vivos que entrega a sua dedicação».
E a jornalista dá exemplos disso, relatando o caso de dois imigrantes que «adiaram a morte porque o coveiro estava por perto». São os casos de Ivan e Vasylyeva: o primeiro, seropositivo e rejeitado em todos os hospitais; o segundo, vítima de um acidente nas obras, e que «não tinha cama para se curar».
Luís Lopes não os conhecia. Mas, solidário, ajudou-os: no caso de Ivan, «entrou nos gabinetes de directores clínicos, nas embaixadas, fez denúncias na comunicação social» e conseguiu os cuidados clínicos necessários; no segundo caso, recebeu o imigrante na sua própria casa e ajudou-o a restabelecer-se.
E diz: «Hoje estão os dois a trabalhar pela Europa».
Mas a ajuda solidária que este coveiro presta aos vivos, não se resume a estes dois casos. Diz-nos Cátia Katulo que ele, há uns dez anos, «ajudou um imigrante a obter o visto de residência» e, porque a notícia se espalhou, de então para cá as solicitações de ajuda multiplicaram-se, de tal modo que, como o próprio Luís informa, «só no último ano passaram pela minha casa 6 200 pessoas».

E é assim - «dividindo o seu tempo entre os que estão mortos e os que se esforçam por viver» - que Luís vive a sua vida.
E assim será até «chegar o seu dia»: então, alguém cavará uma cova igual às que ele agora cava: «dois metros de comprimento, 70 centímetros de largura, um metro de profundidade».
Simples, observa Luís: «se ficar junto a um cipreste, em menos de um ano só restam as minhas ossadas. E pronto - desapareço».
«Quase» - corrige a jornalista, e acrescenta: «Ficará mais alguns anos por aqui. Na memória de uns quantos que passaram pela sua casa».

Eis como, em dia de mortos, a Vida emerge e se impõe com a sua presença viva, graças ao talento e à sensibilidade de uma jornalista, e à profunda e humana filosofia de vida de um coveiro.