POEMA

SIGLA


S.A.R.L. S.A.R.L. S.A.R.L.
a pança do patrão não lhe cabe na pele
a mulher do gerente não lhe cabe na cama.
S.A.R.L. S.A.R.L. S.A.R.L.
o canedal estoira
e o capital derrama

O salário é sagrado
o direito é divino
mais o caso arrumado
do poder que é bovino.

O papel é ao quilo
o cadáver ao metro
mais o isto e aquilo
com que se mata o preto.

O retrato é chapado
a moldura é antiga
para um homem armado
a catana é cantiga.

S.A.R.L. S.A.R.L. S.A.R.L.
o respeito algemado
o sorriso fiel
do senhor cão pastor que tem coleira aos bicos
S.A.R.L. S.A.R.L. S.A.R.L.
só salvamos a pele se formos cães de ricos:

A palhota de mágoa
a casota de medo
mais o pão e a água
que nos dão em segredo.

A gaveta arrumada
a miséria contida
mais a fome enfeitada
que há num dia de vida.

O cachorro quieto
o prazer solitário
do filho predilecto
do doutro numerário.

S.A.R.L. S.A.R.L. S.A.R.L.
a folha de serviços a folha de papel
o fabrico o penico o sono estuporado.
S.A.R.L. S.A.R.L. S.A.R.L.
o silêncio por escrito o silêncio ladrado:

A mensagem urgente
o envelope fechado
mais o rabo pendente
do animal escorraçado.

O contínuo presente
o contínuo passado
mais a fala deferente
do contínuo coitado:

Permite-me permite
Vossa celebridade
o limite o limite
o limite de idade?

S.A.R.L. S.A.R.L. S.A.R.L.
Ai o sal deste mar ai o mel deste fel
o azeite o bagaço
o cagaço o aceite
deste lagar Tarzan traumatizado.
Ai a fase do leite
ai a crise do gado
neste curral sinónimo do homem
ANÓNIMO
RESPONSÁVEL
LIMITADO.


José Carlos Ary dos Santos


(Agora é a vez do Zé Carlos.
Por mil razões, das quais emerge, em primeiro lugar, a qualidade superior da sua Poesia.
De toda a sua Poesia, sublinhe-se: a das Cantigas, a Outra e a que fez dele o Poeta da Revolução.
A partir de hoje e até 4 de Dezembro - dia em que o PCP homenageia o Poeta, num espectáculo no Coliseu, com a participação de Carlos do Carmo - o Cravo de Abril oferece aos seus visitantes, todos os dias, um poema do Zé Carlos)

8 comentários:

Maria disse...

Que bom! E começas da melhor maneira. Lembro-me dele dizer, noutros tempos, que ia fazer 'uma intervenção política rimada'...

É um grande Poeta, o Zé Carlos!

Um beijo grande

svasconcelos disse...

Grande escolha, e claro, mesmo (e sempre) a propósito:)
beijos,

samuel disse...

Era tão simples cantar depois de ele dizer coisas como esta! Tive essa sorte muitas vezes.

Abraço.

Manuel Rodrigues disse...

PARABÉNS, mais uma vez, Cravo de Abril! Só nos pões em boas companhias...
Abraço

Ana Martins disse...

Que fixe! Se já cá vinha quase todos os dias, então agora é que não falto! É sempre bom reler Ary!

Graciete Rietsch disse...

Este foi talvez o primeiro poema de Ary que conheci há já muitos anos. A emoção que me causou,na altura, perdura. Grande poeta. grande comunista, grande lutador. Obrigada Cravo Vermelho por teres publicado este poema.

Justine disse...

Vai ser um bom período, também!
Vamos a isto, amigo:))

Fernando Samuel disse...

Maria: com o Zé Carlos é fácil começar bem...
Um beijo grande.

smvasconcelos: dia 4 vai ser melhor...
Um beijo.

samuel: imagino...
Um abraço.

Manuel Rodrigues: as boas companhias são sempre... boas companhias...
Um abraço.

Ana Martins: Então, ainda bem que me lembrei do Ary...
um beijo.

Graciete Rietsch Monteiro Fernandes: GRANDE isso tudo que dizes, de facto.
Um beijo.

Justine: o tempo é do Ary...
Um beijo.