Os 60 Anos do XX Congresso



A discussão sobre as causas do processo de degenerescência do socialismo soviético é longa e gera, ainda hoje, acesa polémica. Poucos são os pontos pacíficos e é ainda demasiada, dentro do movimento revolucionário, a relação emocional e a proximidade afectiva com o assunto estudado para que se consiga o distanciamento, a serenidade, e a frieza que uma análise científica de um processo histórico deste tipo e desta gravidade exige. Não é espantoso que assim seja, pese embora o facto de Marx, na imediata subsequência de duas tentativas frustradas de tomada do poder pelos trabalhadores, ter sido capaz desse esforço de desapego para nos oferecer o 18 Brumário de Luís Bonaparte e A Guerra Civil em França pouco tempo depois, respectivamente, das derrotas de 1848 e 1871. Conceder-se-á, é de admitir, que Marx houve apenas um.

É em todo o caso, ao que parece, já hoje razoável inscrever como um dos pontos de inflexão da revolução soviética no sentido da sua liquidação o XX Congresso do PCUS e as suas teses sobre a coexistência pacífica entre blocos políticos antagónicos e a via pacífica para o socialismo. Estas teses não foram apenas desmentidas fulgurantemente pela história com a derrota de absolutamente todas as tentativas de passagem pacífica ao socialismo quer anteriores quer posteriores ao XX Congresso (no Chile de Allende, na Guatemala de Árbens, no Irão de Mossadeqh, no Brasil de João Goulart, só para citar os casos mais evidentes). Não foram desmentidas, também, pela sabotagem e desmantelamento do bloco socialista por acção dos países capitalistas (que foi desde as investidas militares contra revoluções triunfantes ou em curso - no Vietname, em Cuba, em Angola, na Coreia, e num longo etc. -, até à criação de movimentos de massas assalariados pelo Ocidente como o Solidarnorsc, a Primavera de Praga, e a rebelião de Budapeste, sem esquecer a guerra do Afeganistão). O XX Congresso não foi apenas desmentido pela história, e não revelou apenas cegueira na interpretação da conjuntura histórica em que foi feito. Os homens que participaram nele vinham do Partido de Lenine, tinham, em muitos casos, assistido à própria revolução, à guerra civil, à sabotagem internacional, às infiltrações e purgas do Partido e do Estado soviético, ao triunfo sobre o avanço em armas do nazi-fascismo. Não há como justificar a sua acção com a mera ignorância do marxismo-leninismo, ou a sua aplicação incorrecta ao seu contexto histórico - aliás, quer uma quer outra tese são a negação soberana de princípios gerais do marxismo-leninismo, e não fruto de um erro de apreciação momentâneo. O XX Congresso do PCUS, cumpre dizê-lo com todas as letras, é um congresso revisionista. Até na forma como o afamado discurso de Kruschev aborda e trata os anos da direcção de Estaline, recuperando argumentos trostskistas sobre a opinião de Lenine quanto à sucessão na direcção do Partido (como se a sucessão de Lenine pudesse ser indicada por este e não decidida por todos), e reduzindo todos os acontecimentos dos anos 20/40 a traços e personalidade rude e autoritária do dirigente, sem pingo de teoria marxista.



Torna-se por isso sobremaneira importante retomar a discussão sobre este momento de grave inflexão do movimento comunista internacional e refutar a sua tese central: não, não existe nenhuma via pacífica para o socialismo, e rigorosamente toda a história do movimento operário está aí para o provar. Até aos nossos dias.Nenhuma refutação podia ser mais eloquente do que a cooptação de Tsipras, o naufrágio iminente do poder bolivariano na Venezuela, os golpes financiados pela CIA no Paraguai e nas Honduras há menos de 5 anos, a violenta desestabilização promovida pelo imperialismo estadunidense em países como a Síria. Estes exemplos só reforçam a tese de que em nenhum momento, em nenhum lugar, de nenhuma forma, a derrota da burguesia poderá ser feita pacificamente.  A guerra entre classes, motor da história que nenhum equilíbrio estratégico entre dois Estados consegue pôr em causa, só terminará com a derrota definitiva das classes exploradoras e a criação de uma sociedade sem classes. Até porque nenhuma classe dominante alguma vez tolerará a existência de países com modo de produção socialista, por mais poderosos que sejam, sem mover todos os expedientes da perfídia e da força para os destruir. 

Mas este debate é sobretudo fundamental para recuperar e reabilitar a figura de Estaline, vilipendiada e insultada por todos, desde Goebbels e Hearst aos histéricos anticomunistas do pós-guerra, passando pelo próprio Kruschev e pelos dirigentes eurocomunistas que repudiaram a experiência soviética em França, Itália, Espanha. É natural esse repúdio vindo dessas bandas, se nos recordarmos que, nos Princípios do Leninismo, Estaline escreveu que «Kautsky, defendendo a Segunda Internacional contra os que a atacam, diz que os partidos da Segunda Internacional são instrumentos de paz e não de guerra, e que precisamente por isso se mostraram impotentes para tomar uma atitude mais séria durante a guerra, no período das acções revolucionárias do proletariado. Isto, aliás, é inteiramente certo. Mas o que significa? Signfica que os partidos da Segunda Internacional não servem para a luta revolucionária do proletariado, que não são partidos combativos do proletariado aptos a levá-lo ao poder, mas máquinas eleitorais, adaptadas às eleições para o parlamento e à luta parlamentar. Isto explica precisamente o facto de que durante o período de predomínio dos oportunistas da Segunda Internacional a organização fundamental do proletariado não foi o seu Partido, mas os seus representantes parlamentares. É sabido que neste período o Partido era, no fundamental, um apêndice da sua fracção parlamentar e um elemento colocado ao serviço desta. É desnecessário demonstrar como, em tais condições, com semelhante partido à frente, não se podia falar em preparar o proletariado para a revolução». É impossível manter viva qualquer ilusão reformista, qualquer pacifismo, qualquer anseio de cooperação de classes sem liquidar a figura de Estaline. Por algum motivo as forças do reformismo o tentam tão diligentemente. Por algum motivo o seu nome é erguido tão alto pelos comunistas.

32 anos sem Ary


NA PASSAGEM DE UM ANO

Erros nossos não são de toda a gente
tropeçamos às vezes na entrega
mas retomamos sempre a marcha em frente
massa humana que nada desagrega.


Para nós o passado e o presente
são futuro no qual o povo pega
com as suas mãos de luz incandescente
que aquece que deslumbra mas não cega.

Para nós não há tempo. O tempo é vento
soprando ano após ano sobre a história
que para nós é vida e não memória.

Por isso é que no tempo em movimento
cada ano que passa é menos tempo
para chegar ao tempo da vitória.

José Carlos Ary dos Santos

Recordar Fuga De Peniche

"Foi uma das mais espectaculares evasões de toda a história do fascismo. Quer por se tratar de um numeroso grupo de dirigentes e quadros do PCP – Álvaro Cunhal, Joaquim Gomes, Jaime Serra, Carlos Costa, Francisco Miguel, Pedro Soares, Rogério de Carvalho, Guilherme Carvalho, José Carlos, Francisco Martins Rodrigues – quer porque se tratou da fuga de um dos mais seguros cárceres fascistas. A fuga de Peniche – saudada com imensa alegria pelo povo português – foi uma grande vitória do Partido que, recuperando um elevado número de valiosos dirigentes, desencadearia e dirigiria nos anos seguintes algumas das mais importantes lutas contra a ditadura. Da fuga de Peniche viria a resultar, ainda, um sério reforço do trabalho de direcção do Partido".

Aproveito para recordar três post's sobre o tema que foram colocados no Cravo de Abril já há alguns anos mas com uma actualidade marcante:

1: http://cravodeabril.blogspot.pt/2009/01/fuga-de-peniche.html

2: http://cravodeabril.blogspot.pt/2009/01/consequncias-da-fuga-de-peniche.html

3: http://cravodeabril.blogspot.pt/2010/01/fuga-de-peniche-rumo-vitoria.html

Os Patrões de Novembro e os Excluídos de Abril



http://www.d24ar.com/d24ar/fotos/uploads/editorial/2011/10/06/imagenes/68117_call_centers.jpg

1372,5 milhões de euros. Por extenso: mil trezentos e setenta e dois milhões e quinhentos mil euros. Cerca de metade do que vai ser gasto no Banif. Cerca de 4 anos de Rendimento Social de Inserção. Cerca de um quarto dos gastos anuais com o SNS. Eis o valor que foi pago pela PT e pela NOS pelos... direitos de transmissão dos jogos de futebol do FC Porto, do SL Benfica, e do Sporting CP.

O absurdo destes números torna-se uma obscenidade insuportável quando sabemos de que forma a Meo e a NOS acumularam a espantosa fortuna que pretendem dissipar com estas compras: na exploração desenfreada dos largos milhares de trabalhadores que, em última análise, trabalham para ambas. Digo «em última análise» porque, entre empresas sub-contratadas, empresas de trabalho temporário, recibos verdes fraudulentos, e centenas de outros ardis, são inúmeras as formas por via das quais estes dois gigantes das telecomunicações reduzem artificialmente a lista dos seus funcionários e, de caminho, os custos que têm com eles. Das lojas às vendas porta-a-porta, dos call-centers ao pessoal de reparações e manutenção, o exército de trabalhadores que estes dois gigantes tem ao serviço é inversamente proporcional aos salários de fome – quando são sequer salários, e não sobrevivem em regimes 100% comissionais a despeito de jornadas de trabalho de 10 e mais horas, na rua, meses e anos a fio, em funções inapelavemente permanentes mas pagas contra recibo verde – com que os remunera ao fim de cada mês. É por isso normal que possam dispender tão prodigiosos números. O que é espantoso é o modo como reagem, ferozmente, a qualquer veleidade de aumentos salariais ou melhoria das condições contratuais no sector!

Estas empresas utilizam com eficácia uma série de instrumentos que foram montados com eficácia e a pensar nelas: um Estado que ignora ostensivamente as violações laborais, por vezes as mais grosseiras, desde o Tribunal Constitucional até ao inspector da ACT (recordo-me de, em 2011, ouvir na rádio o juslaborista Júlio Gomes dizer numa conferência que o TC «não via uma inconstitucionalidade em matéria laboral nem que ela fosse do tamanho de um elefante e tivesse «INCONSTITUCIONAL» pintado a tinta fluorescente»); um exército industrial de reserva para cuja redução nenhuma política pública decente é levada a efeito porque «o Estado não tem de criar emprego»; a permanente afirmação de que só se reduz esse mesmo exército industrial de reserva com a redução ainda maior dos já violentamente atacados direitos dos trabalhadores; e, para corolário, a existência de uma mão-de-obra ultra-especializada, saída das universidades, com nula perspectiva de emprego na sua área de formação, e particularmente apta a apropriar e desenvolver os procedimentos de trabalho de tais empresas, tornando-as tanto mais lucrativas. Os enxames de licenciados que batem portas atrás de comissões ou que vegetam atrás de balcões onde tentam vender pacotes de canais ou telemóvis da moda aí estão para o comprovar.

Esta juventude escorraçada de Abril pela contra-revolução, que nunca conheceu o subsídio de férias, a baixa médica, a estabilidade contratual, que nunca chegou ao dia 15 sem contar tostões na carteira, que nunca viu salário ao fim do mês e se fartou de ver mês no final do salário, é a carne e o sangue que permitiu à NOS e à PT dispender mais de mil milhões de euros para poderem exibir jogos de futebol. Este é um problema social de um tamanho imensurável, para cujo fim todo e qualquer indivíduo onde ainda habite a decência comum mais elementar não pode deixar de contribuir.

Esta juventude tem dado mostras de combatividade, seja através do movimento sindical de classe, seja em organizações que foi levantando para dar mostras da sua indignação (e onde o autor destas linhas participou, com muita honra, desde o primeiro momento). São de saudar todas as suas iniciativas, e de reconhecer a enorme simpatia e mobilização popular que a sua causa atrai. Estes jovens demonstram que, contra todas as profecias absurdas sobre o fim da história, o conformismo, a morte da luta de classes e a redução dos trabalhadores à dócil condição de carneiros do redil, a velha toupeira sobe sempre à superfície da terra, dura e tenaz, inquebrantável na sua determinação, inamovível nos seus propósitos, invencível na sua marcha em frente: a velha toupeira da luta do proletariado pela sua emancipação que também estes jovens, com os mais velhos com quem aprendem e melhoram, ajudam a que um dia ocorra, livrando o mundo dos exploradores.

É fundamental trazer mais e mais jovens expulsos de Abril pela contra-revolução para o combate pela sua emancipação definitiva. E trazê-los dando-lhes a lição mais válida, a que os mais velhos aprenderam com mais custo e mais sacrifícios, a que pagaram com anos de combate e de erros que foram corrigindo. A lição fundamental é a de que nenhum direito, nenhum progresso, nenhuma alteração por mais miúda que seja, está garantida nesta sociedade. Vivemos na sociedade dos patrões, com um Estado dos patrões, com um modo de produção que só serve aos patrões.

E enquanto esta contradição fundamental entre capital e trabalho existir, nenhum trabalhador terá sentido ainda o sabor da liberdade, da liberdade verdadeira, que é a de não ter quem o oprima. A lição fundamental é pois a de que não há açúcar, não há palavras doces, não há concessões nem avanços que a burguesia consinta com simpatia que nos devam satisfazer. Devemos aprender com os que combatem há mais tempo que nós a levar o combate até ao fim, sem nos iludirmos com promessas de concessões que o capital só faz para poder, em ocasião posterior, brandir melhor o contra-golpe. Só é solução definitiva a derrota da burguesia e a sociedade socialista.