Combatendo o Fetiche Institucionalista


Uma das coisas que tem ilustrado com mais vigor o triunfo e a hegemonia do reformismo na esquerda mundial é o peso absurdo que a actividade institucional e o cretinismo parlamentar assume na sua estratégia. O reformismo engole com anzol, linha, e cana, a patranha burguesa de que a legitimidade social de um partido é directamente proporcional ao número de votos que tem, fazendo-os ignorar as tarefas de organização popular, mobilização do proletariado para o combate social, ou - o que é bem pior - considerá-las utensilares numa estratégia eleitoral. Obviamente, acaba enredado nas malhas da legalidade capitalista, numa luta desesperada por mais votos, deputados, eleitos locais e regionais, com os quais a revolução não avança uma polegada.

Lenine definiu, com correcção, o dever de os comunistas aproveitarem as instituições burguesas quando tal fosse útil para espalhar a mensagem da revolução. Este dever não é, no entanto, de nenhuma forma compatível com a fetichização dessas mesmas instituições, nem pode fazer com que os comunistas percam de vista que a sua tarefa é forjar as instituições com que o proletariado vai derrubar o poder burguês e exercer o seu próprio poder. No âmbito dessas tarefas vem a ser inevitável que o proletariado afronte, desafie, ataque, e desejavelmente destrua as instituições burguesas onde tinha posições. O institucionalismo, nome dado à sobrevalorização da luta nesses espaços, é uma forma de reformismo e uma marca clara de contrabando reformista, de contrabando de ideias legalistas típicas da ideologia burguesa, para o seio do movimento operário.

Nos últimos anos têm sido vários os momentos em que, perante a crise estrutural do capitalismo e o esgotamento da via legal - muito por força dos sucessivos atropelos e excepções ao seu próprio ordenamento jurídico por parte dos aparelhos de Estado da burguesia -, forças revolucionárias têm boicotado a participação em actos eleitorais, considerando que o proletariado nada teria a ganhar com a vitória ou o reforço eleitoral de fosse quem fosse. Assim aconteceu quando o Polo do Renascimento Comunista em França apelou à abstenção nas Europeias de 2014; assim se passou quando o Partido Comunista Brasileiro defendeu a anulação do voto na disputa entre Aécio Neves e Dilma Rousseff; assim ocorreu quando o PC Grego boicotou o referendo ao memorando da troika proposto pelo Syriza em 2015. Todos estes episódios revelam que as forças revolucionárias não aceitam que seja a burguesia a decidir em que campo travam as suas batalhas - pelo contrário, tentam que essas batalhas sejam travadas no único campo onde as podem vencer, o da luta de massas. Em instituições cuidadosamente construídas e aprimoradas pela burguesia para justificar e perpetuar a sua dominação de classe da burguesia, qualquer luta está fadada ao fracasso.

A mais recente organização revolucionária a assumir essa posição foram os camaradas do Agora Galiza. No site do Primeira Linha vemos a descrição irrepreensível do motivo que leva a esta decisão: «[p]erante este panorama careterizado pola ausência de umha alternativa eleitoral anticapitalista galega, que conceba a intervençom nas instituiçons burguesas como umha tarefa meramente instrumental, para questionando o seu caráter antidemocrático exercer de caixa de resonáncia das luitas populares e das reivindicaçons operárias, nom há mais opçom que a abstençom consciente». Sublinhe-se este detalhe: «que conceba a intervençom nas instituiçons burguesas como umha tarefa meramente instrumental, para questionando o seu caráter antidemocrático exercer de caixa de resonáncia das luitas populares». Qualquer organização que participe nas instituições burguesas para qualquer outra coisa que não seja desacreditá-las enquanto utensílios do poder burguês (e não espaços de esperança para a melhoria real da vida dos trabalhadores), local de apelo e mobilização das lutas dos trabalhadores e de exposição das ideias revolucionárias, não merece qualquer tipo de apoio dos revolucionários.

É pois de saudar o gesto dos camaradas do Agora Galiza, quer na actual conjuntura em que os pretensos comunistas espanhóis do PCE, já dissolvidos na Esquerda Unida, aceitaram a sua liquidação absoluta na aliança Unidos Podemos (aos berros histéricos de «bendita morte!» por parte do eurocomunista Julio Anguita), não aceitam o democratismo burguês e o fetiche institucionalista, tomando a resoluta decisão de não apoiar ninguém que não corresponda inteiramente às aspirações do povo galego. Cientes de que essa luta - como qualquer outra luta popular - será vencida nas ruas e nos locais de trabalho, e não nas salas atapetadas de assembleia burguesa nenhuma, preparam a luta no campo certo e não cedem à pressão da hegemonia. A firmeza de princípios é tambeém isto.

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